Vivemos em uma era hiperconectada, onde as redes sociais ocupam um espaço central na vida cotidiana. De forma quase imperceptível, elas deixaram de ser apenas canais de comunicação para se tornarem vitrines de experiências, corpos, conquistas e estilos de vida. Essa exposição constante alimenta um ciclo de comparação e idealização que afeta profundamente a forma como as pessoas enxergam a si mesmas e aos outros. Enquanto navega por um feed infinito de fotos, vídeos e relatos, o usuário médio é bombardeado por imagens cuidadosamente editadas, legendas inspiradoras e momentos que parecem saídos de um roteiro cinematográfico. No entanto, o que se apresenta ali é, quase sempre, uma versão filtrada da realidade — uma ilusão vendida como verdade.
Essa discrepância entre o que se vê nas redes e a vida real gera um terreno fértil para frustrações, inseguranças e sentimentos de inadequação. Afinal, como competir com vidas que aparentam ser perfeitas, relacionamentos ideais e conquistas constantes? A comparação, quando feita com base em ilusões, torna-se uma armadilha silenciosa. É nesse cenário que a saúde mental se fragiliza. O sentimento de insuficiência, o medo de estar “atrasado na vida” e a necessidade de aprovação podem desencadear ou agravar quadros de ansiedade, depressão, transtornos alimentares e baixa autoestima. A mente, sobrecarregada por estímulos e cobranças, entra em colapso.
O tipo de conteúdo publicado e consumido nas redes sociais tem impacto direto na saúde mental. Muitas publicações reforçam o narcisismo, padrões de vida e de consumo, contribuindo para o aumento de transtornos psiquiátricos, incluindo sintomas depressivos, ansiedade e baixa autoestima (Abjaude et al., 2020).
Além disso, as redes também se tornaram canais de disseminação constante de notícias negativas, muitas vezes sensacionalistas, que afetam diretamente o bem-estar emocional. A lógica do engajamento — baseada em curtidas, compartilhamentos e comentários — privilegia conteúdos que provocam reações intensas, como medo, raiva ou tristeza, fazendo com que tragédias e conflitos se espalhem rapidamente. Esse bombardeio de informações angustiantes, sem filtros ou pausas, alimenta estados de ansiedade, estresse e sensação de impotência. A exposição repetitiva pode gerar dessensibilização ou, ao contrário, um sentimento contínuo de ameaça, comprometendo a regulação emocional e o bem-estar psicológico dos usuários.
A lógica perfeccionista das redes sociais se sobrepõe à complexidade da vida real, feita de fracassos, dúvidas, rotina e dor. Ao esconder essas dimensões, as redes reforçam uma cultura de positividade tóxica, que invalida o sofrimento e romantiza um bem-estar inalcançável. Esse fenômeno ultrapassa o nível individual. Em uma sociedade desigual, muitas pessoas com pouco acesso a lazer, cultura e recursos veem nas redes sua principal — ou única — fonte de entretenimento. Nesse contexto, a internet se torna o “parque de diversões” de quem não pode pagar por um.
Enquanto alguns utilizam as redes para divulgar projetos, ampliar negócios ou registrar viagens, outros se veem presos ao consumo passivo de conteúdos aspiracionais. É uma vitrine que exibe o que não se pode ter: viagens internacionais, restaurantes caros, roupas de marca, corpos “perfeitos” e relacionamentos idealizados. Essa disparidade acentua uma fratura social invisível, mas real. As redes, ao mesmo tempo que conectam, também excluem — de forma silenciosa e cruel, alimentando desejos inatingíveis e transformando o lazer alheio em sofrimento próprio.
O uso excessivo das redes como válvula de escape também cobra seu preço. Muitos preenchem lacunas afetivas com o uso compulsivo das plataformas, o que pode levar ao isolamento, à dificuldade de concentração, à desconexão com o presente e até à dependência digital. Não é raro ver pessoas que acordam e dormem com o celular nas mãos, presas em um ciclo que alterna dopamina instantânea e vazio existencial. Likes e visualizações funcionam como pequenas recompensas, mas a ausência de vínculos reais e experiências concretas corrói o senso de pertencimento e satisfação.
Diante disso, é necessário fazer uma pausa crítica: que tipo de sociedade estamos construindo quando lazer, afeto e autoestima se tornam mercadorias mediadas por algoritmos? Por que a vida fora da tela é cada vez mais inacessível para tantos? E quem lucra com esse estado permanente de insatisfação?
As redes sociais, por si só, não são o problema. São ferramentas potentes de expressão, conexão e denúncia. O que preocupa é o modo como têm sido usadas para mascarar desigualdades, reforçar padrões e sustentar um sistema onde poucos brilham e muitos apenas assistem. Num cenário em que o virtual se confunde com o real, é urgente refletir sobre os limites do consumo de informações e o papel das redes na saúde mental coletiva. Enquanto isso não acontece, seguimos diante de um paradoxo cruel: para muitos, a única forma de lazer disponível é aquela que os lembra do que não têm.
A crítica, portanto, não é ao uso das redes em si, mas à falta de acesso a outras formas de vida, lazer e pertencimento. Quando o feed se torna o único lugar onde se “vive”, é sinal de que algo está muito errado fora dele. Precisamos enxergar o digital não como inimigo, mas como sintoma de um problema maior. E se quisermos preservar a saúde mental coletiva, será preciso ir além da comparação ilusória e construir uma realidade em que todas as pessoas tenham o direito de viver e não apenas de observar.
Nesse processo, a psicoterapia surge como aliada essencial: oferece um espaço seguro de escuta e reconstrução, onde é possível desconstruir padrões tóxicos, resgatar a autoestima e fortalecer a autonomia emocional frente às pressões invisíveis impostas pelas redes. Cuidar da mente, nesse contexto, é também um ato de resistência.
Referências:
ABJAUDE, Samir Antonio Rodrigues et al . Como as mídias sociais influenciam na saúde mental?. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.), Ribeirão Preto , v. 16, n. 1, p. 1-3, mar. 2020 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-69762020000100001&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 01 jul. 2025.
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