Pessoas com útero: uma dança hormonal invisível

 

A saúde mental das pessoas que menstruam é profundamente influenciada por seus ciclos hormonais. Embora por muito tempo esse tema tenha sido negligenciado ou tratado com desdém, cada vez mais estudos e relatos têm mostrado como as fases do ciclo menstrual podem afetar o humor, o sono, os pensamentos e até a motivação para atividades físicas. Compreender essa conexão é fundamental para promover autocuidado, reduzir a autocrítica e desenvolver estratégias mais acolhedoras para lidar com os próprios ritmos.

 

O ciclo menstrual é um processo fisiológico complexo, caracterizado por variações cíclicas nos níveis hormonais ao longo de quatro fases principais: folicular, ovulatória, lútea e menstrual. Essas oscilações, especialmente nos níveis de estrogênio e progesterona, exercem forte influência tanto sobre o corpo quanto sobre o funcionamento do cérebro. Segundo Jennifer Minami, psiquiatra da Clínica de Saúde Comportamental, tais alterações hormonais podem desencadear diversos sintomas físicos e psicológicos, impactando o humor, a cognição e até agravando condições médicas já existentes (Smith, 2024). Por isso, é comum que pessoas que menstruam vivenciem episódios de euforia seguidos por momentos de irritabilidade ou tristeza, mesmo sem fatores externos evidentes.

 

Durante a fase folicular, que começa logo após a menstruação, há um aumento nos níveis de estrogênio, hormônio associado à disposição, criatividade e otimismo. Muitas pessoas relatam sentir mais clareza mental, energia e motivação nesse período. Já a fase ovulatória, marcada pelo pico de estrogênio e liberação do óvulo, também costuma ser acompanhada de um aumento na libido e em habilidades de comunicação — o que, em termos emocionais, pode representar uma sensação de conexão mais intensa com o mundo ao redor.

 

No entanto, após a ovulação, os níveis de estrogênio começam a cair, e o corpo passa a produzir mais progesterona, iniciando a fase lútea. É aqui que muitas pessoas começam a sentir oscilações de humor, sensação de cansaço, maior necessidade de sono ou insônia, ansiedade e pensamentos negativos. A sensibilidade emocional aumenta, e, em algumas, surgem sintomas depressivos ou sensação de desamparo, mesmo que passageiros. Essa é também a fase em que se manifesta a Tensão Pré-Menstrual (TPM), com seus múltiplos efeitos físicos e emocionais.

 

Para quem tem histórico de ansiedade ou depressão, esses sintomas podem se intensificar de forma significativa durante a fase lútea:

 

“Os sintomas pré-menstruais podem imitar ou se sobrepor a muitas condições médicas e de saúde mental. Por exemplo, pessoas com depressão, ansiedade, transtornos de dor crônica, síndrome do intestino irritável e doenças reumatológicas frequentemente apresentam uma piora pré-menstrual de seus sintomas. Pesquisas recentes também sugerem que o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) pode piorar durante o período pré-menstrual. De acordo com Minami, uma queixa comum de pessoas com essas condições é: “Me sinto pior” ou “Meu medicamento parece não funcionar tão bem” nos dias que antecedem a menstruação” (Smith, 2024).

 

O que é apenas uma “sensação ruim” para algumas, pode se tornar uma crise emocional para outras. Por isso, é essencial que essas variações sejam reconhecidas como parte de um processo cíclico, e não como falhas individuais ou exageros. Muitas vezes, o simples ato de nomear o que está acontecendo — “estou na fase lútea” — já traz alívio e compreensão.

 

O sono também sofre alterações ao longo do ciclo. Durante a fase pré-menstrual e menstrual, é comum haver maior dificuldade para adormecer, além de interrupções no sono profundo. Isso se relaciona tanto às alterações hormonais quanto ao desconforto físico, como cólicas e inchaço abdominal. A privação de sono, por sua vez, afeta diretamente a saúde mental, intensificando quadros de irritabilidade, baixa tolerância ao estresse e pensamentos negativos.

 

A prática de atividades físicas, que tanto contribui para o equilíbrio emocional, também é impactada. Na fase folicular e ovulatória, muitas pessoas sentem-se mais energizadas e dispostas a treinos intensos. Já na fase lútea e menstrual, o corpo pode pedir pausas, movimentos mais suaves e descanso. Respeitar esse ritmo cíclico é uma forma de autocuidado. Forçar o corpo a seguir um padrão linear de desempenho pode gerar frustração, culpa e exaustão.

 

É importante lembrar que essas variações não são sinais de fraqueza. São respostas fisiológicas a um sistema hormonal que se modifica constantemente. No entanto, a sociedade tende a ignorar ou invisibilizar essa realidade, exigindo produtividade e estabilidade emocional contínuas. Esse descompasso entre o ritmo interno e as expectativas externas pode causar um sofrimento psíquico silencioso, alimentado por cobranças e autocríticas injustas.

 

Falar sobre saúde mental e ciclo menstrual é também uma questão de saúde pública. Muitos diagnósticos equivocados, como transtornos de humor ou transtornos de ansiedade, podem ser evitados ou melhor compreendidos quando se leva em conta o ciclo hormonal como uma variável relevante. Além disso, acolher essas oscilações como naturais pode ajudar a construir uma relação mais gentil com o próprio corpo.

 

Uma forma de se reconectar com esse processo é através do mapeamento do ciclo. Registrar sensações físicas, estados de humor, níveis de energia e pensamentos ao longo do mês pode ajudar a identificar padrões e prever momentos de maior vulnerabilidade emocional. Esse tipo de prática, conhecida como “diário do ciclo”, é uma ferramenta de autoconhecimento valiosa. Cuidar da saúde mental é também cuidar do ritmo do próprio corpo. Em vez de lutar contra as marés hormonais, talvez o caminho seja aprender a surfar nelas — com mais consciência, mais gentileza e menos julgamento.

 

É importante mencionar que a pobreza menstrual é uma forma de desigualdade que afeta milhões de pessoas que menstruam e não têm acesso adequado a absorventes, condições de higiene básicas e informações sobre o próprio corpo. Essa realidade, muitas vezes invisibilizada, impacta diretamente a saúde física, emocional e a dignidade de meninas, mulheres e pessoas trans, dificultando sua permanência na escola, no trabalho e em outros espaços públicos. A ausência de políticas públicas eficazes perpetua o estigma em torno da menstruação e aprofunda desigualdades de gênero e classe. Esse cenário escancara desigualdades estruturais, agravadas por tabus culturais que cercam o ciclo menstrual. Romper o silêncio sobre o tema é essencial para garantir justiça social e promover políticas públicas que reconheçam o cuidado menstrual como um direito, não um privilégio. Se você sofre por questões relacionadas ao tema, ou a outros sintomas emocionais agende uma consulta para receber acolhimento e ajuda profissional. http://Para agendar uma consulta, clique aqui

 

 

Referência:
Medrado, A. C., & Lima, M. (2020). Saúde mental feminina e ciclo reprodutivo: Uma revisão de literatura. Nova Perspectiva Sistêmica, 29(67), 70–84. https://www.revistanps.com.br/nps/article/view/560 . Acesso em: 20 jun. 2025.

 

Smith, M. (2024, May 13). How the menstrual cycle impacts mental health. Loma Linda University Health. Retrieved June 23, 2025, from https://news.llu.edu/health‑wellness/how‑menstrual‑cycle‑impacts‑mental‑health Acesso em: 20 jun. 2025.

 

Stewart, A. L., & Payne, J. L. (2023, December 20). The menstrual cycle and mental health concerns. American Psychiatric Association. https://www.psychiatry.org/news-room/apa-blogs/the-menstrual-cycle-and-mental-health-concerns. Acesso em: 19 jun. 2025.

 

Zolin, B. (2023, abril 14). Como os hormônios influenciam a saúde mental da mulher? Portal Drauzio Varella.  https://drauziovarella.uol.com.br/mulher/como-os-hormonios-influenciam-a-saude-mental-da-mulher/. Acessado em 19 de junho de 2025.

 

 

 

Compartilhar
Compartilhar
Compartilhar
plugins premium WordPress