Na experiência clínica psicológica e psicanalítica, surgem muitos relatos de sofrimento subjetivo que tem conexão com a perda de um “objeto” importante/amado, entendendo por objeto uma pessoa, um lugar, uma parte do corpo, um emprego, um nível de vida, o acesso a uma atividade prazerosa e significativa, um papel para ocupar no mundo, etc. Nesse mesmo sentido, por vezes não são só outras pessoas que “morrem”, ou que param de existir.
É interessante por vezes pegar cada termo das nossas colocações para entender do que será que estamos falando, pois precisamente a “existência” de algo ou de alguém importante nas nossas vidas, pode significar simplesmente a existência no nosso cotidiano, no nosso ambiente material imediato. Claramente, por vezes as pessoas ou as coisas importantes nas nossas vidas não param de existir; às vezes só param de existir nas nossas vidas. Não é por isso que a intensidade de uma perda fica menor do que com a morte física e literal de um ente querido, por exemplo.
Quando algo ou alguém para de se fazer presente na nossa existência cotidiana, seja por conta da morte ou não, é fácil imaginar que as nossas atividades, as nossas rotinas, as paisagens, os objetos e os problemas mudem também. Quando alguém não está mais presente, pode acontecer que não tenhamos mais com quem passar o nosso tempo livre. De repente não tenhamos mais com quem resolver os nossos problemas; pode ser que fiquemos sem sustento e sem amor. Mas principalmente, paramos de ser também aquela pessoa que tinha uma forma muito definida de lidar com esses problemas, ou paramos de ser essa pessoa cuidada, ou essa pessoa amada. Ou seja, a nossa identidade também acaba sendo abalada, e colocada em risco. Paramos de ser cônjuge, filha, filho, pessoa com emprego estável que pode sustentar o lar, não podemos mais ser aquele atleta sucedido com um corpo funcional, etc.
Luto como esforço e trabalho de readaptação
Talvez você ache estranho pensar no luto como um conceito sobre alguma atividade. Talvez você já pensou que os efeitos de uma perda de algo ou alguém importante, sejam só consequências “passivas” da vida. Mas o que acontece com alguém cuja vida muda muito, por exemplo por conta de uma perda, se a pessoa insiste em ficar nos mesmos lugares, procurando a pessoa perdida nos mesmos espaços que frequentavam, tentando fazer as mesmas coisas e manter as mesmas rotinas? Será que a pessoa consegue o mesmo resultado nas novas condições?
O luto é um esforço de mudança, e é precisamente por isso que por vezes é tão difícil superar uma perda; é ainda mais difícil quando as novidades saem mais caras e, no geral, mais difíceis e exigentes. Isso quer dizer, que o luto é difícil e é desagradável por razões que vão além dos sentimentos de tristeza e saudade que a perda cria, que na verdade são normais e esperáveis, até “bons”, no sentido do processo de mudança que precisa ser iniciado no seu tempo.
Com o comentário anterior, não quero dizer que a tristeza ou a saudade não sejam sentimentos ruins também, que cada um de nós tem o “direito” de sentir e de ser reconhecidos e validados pelas outras pessoas. Certamente é muito importante que os nossos sentimentos sejam validados por outras pessoas, primeiramente como existentes, e também como realidades importantes. Mas a tristeza e a saudade são só o início do percurso necessário para atingir uma readaptação que seja saudável e que nos permita ser funcionais de novo. O luto é um trabalho que também é um processo, que por sua vez, tem fases.
Fases do luto
Depois de anos de pesquisa com pacientes terminais e seus familiares, a Elisabeth Kübler-Ross, referência mundial nos estudos sobre o luto na morte, escreveu em 1969 uma explicação detalhada sobre o processo anterior à aceitação da morte, que inclui fases que acontecem mais ou menos separadamente.
- A primeira fase é o sentimento de negação e uma reação de isolamento; acho importante comentar que quando a perda é especialmente difícil, pode acontecer que a negação seja um não lembrar e não acreditar em nada, de modo geral, inclusive não entendendo a realidade da própria existência: na clínica chamamos isso de estados dissociativos, aliás.
- A segunda fase é a raiva ou de revolta, depois que já se entendeu que a realidade impôs algo muito ruim para a própria vida e não para a vida de outra pessoa qualquer.
- A terceira fase é a barganha, que é uma esperança que ativa ações de compensação com esperanças de retribuição, ou crenças em milagres que podem vir a acontecer.
Na preparação final para a mudança, há uma fase de depressão, que está relacionada com um cansaço e uma debilitação do corpo e das emoções, e que inclui sentimentos de solidão saudade e ansiedade, sendo essa a fase na qual as pessoas precisam mais atenção e a escuta Agende aqui um atendimento com a psicóloga Juliana Arango, de forma que possam entender e validar o que estão sentindo, por vezes muito complexo e difícil de aceitar, além da morte ou a mudança em si.
- Por último vem a fase da aceitação, na qual começa a surgir um sentimento de paz com o final, a perda ou a mudança, e com sentimentos de expectativa a cada vez mais fracos. Neste ponto, a vida pode começar a ser reorganizada, segundo as possibilidades.
O que muda quando algo se termina?
Essa pergunta às vezes só tem resposta no trabalho psicoterapêutico ou com a ajuda da psicanálise porque muitas vezes sentimos um vazio recorrente, mas não morreu ninguém, nem perdemos o controle do nosso corpo, nem terminou o amor no nosso relacionamento, nem deixamos de ter uma vida sustentável nem a nossa carreira. De repente chegou uma hora que paramos de desfrutar da vida, não temos mais ânimos, e até passamos mal fisicamente. Talvez até pensemos que algo tem de errado conosco, pois temos de tudo para sermos felizes: mas não somos.
Proponho uma análise daquilo que mudou com a nossa identidade, e com as formas que tínhamos de lidar com a vida. Talvez, a idade adulta chegou e não compreendemos do que se trata. De repente, já não precisamos mais de contornar as mesmas situações ou os mesmos sofrimentos, inclusive, e pode ser que isso nos deixe numa crise. Às vezes, se uma pessoa se foi ou uma situação terminou, algumas vivências ruins também se foram, e é necessário admitir e processar o que estava acontecendo. Mas você não precisa ficar só com esse sofrimento. busque ajuda, sempre que os processos estiverem difíceis para lidar sozinha(o).
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