O senso comum costuma tratar o luto como algo que começa no momento da morte. Mas, na prática clínica e na literatura psicológica, sabe-se que o luto pode ser anterior à perda definitiva — especialmente em casos de doenças graves, progressivas ou terminais. Esse fenômeno é chamado de luto antecipatório, conceito fundamental para entender o sofrimento de quem já começa a perder antes da morte acontecer.
Luto: uma experiência subjetiva com bases universais
Luto é a resposta natural a uma perda significativa. Envolve um processo emocional, físico e psicológico diante da ausência de algo ou alguém importante. A psiquiatra suíça Elisabeth Kübler-Ross, referência mundial no tema, propôs em 1969 cinco estágios do luto (em seu livro On Death and Dying), que embora não sejam lineares, ajudam a compreender reações comuns:
- Negação – “Isso não está acontecendo comigo.”
- Raiva – “Por que isso está acontecendo? Quem é o culpado?”
- Barganha – “Se eu fizer isso, talvez as coisas melhorem…”
- Depressão – “Não há mais nada a fazer, tudo está perdido.”
- Aceitação – “É doloroso, mas posso seguir.”
Mais tarde, outros autores como George Bonanno e Margaret Stroebe ampliaram essa visão, apontando que o luto é menos previsível e muito mais influenciado por fatores individuais, culturais e contextuais. Bonanno, por exemplo, introduziu o conceito de resiliência no luto, mostrando que muitas pessoas conseguem manter algum grau de funcionamento emocional mesmo diante de grandes perdas (The Other Side of Sadness, 2009).
O que é o luto antecipatório?
O termo “luto antecipatório” foi cunhado por Therese Rando, especialista em psicologia da morte, ainda nos anos 1980. Segundo ela, trata-se do luto que ocorre antes da perda, como preparação emocional diante do inevitável. É comum entre cuidadores e familiares de pacientes com doenças terminais, como câncer avançado, ELA, Alzheimer e outras enfermidades degenerativas.
No luto antecipatório, as pessoas já vivenciam sintomas semelhantes ao luto tradicional:
•Tristeza profunda;
•Isolamento;
•Sentimentos de culpa ou raiva;
•Ambivalência entre a vontade de que o sofrimento do outro acabe e a dor da perda iminente.
“É um tipo de luto invisível. A sociedade só reconhece o sofrimento depois da morte, mas há famílias que choram todos os dias por uma perda que ainda está por vir.”
— Rando, T. A. (1986). Loss and Anticipatory Grief
Por que é importante falar sobre isso?
Ignorar o luto antecipatório pode levar a complicações emocionais futuras. Quando esse sofrimento não é validado, a pessoa pode se sentir isolada, julgada ou até inadequada por experimentar dor antes do “momento certo”.
Além disso, a sobrecarga emocional durante longos períodos de cuidado — sem espaço para elaboração psíquica — pode gerar burnout do cuidador, depressão e transtornos de ansiedade.
Segundo estudo publicado no Journal of Palliative Medicine (2011), cuidadores de pacientes com doenças terminais que têm apoio psicológico durante a fase final de vida têm menor risco de desenvolver luto complicado após o falecimento.
E depois da morte?
Nem todo luto antecipado termina com a morte. Para algumas pessoas, a morte encerra um ciclo de sofrimento, trazendo até certo alívio. Para outras, o impacto real só começa ali. O luto não é automático, nem segue cronograma.
A psicóloga Margaret Stroebe, junto a Henk Schut, propôs o Modelo de Dupla Processual do Luto (1999), que é particularmente útil aqui. Ela explica que pessoas enlutadas oscilam entre dois modos de enfrentamento:
•Orientado para a perda: envolvimento com a dor, saudade, lembranças.
•Orientado para a restauração: reorganização da vida, retomada de papéis, reconstrução.
Essa oscilação é saudável e esperada. Não é “esquecer”, é integrar a perda à vida.
Em resumo:
•O luto não começa só com a morte — muitas vezes ele se inicia quando a perda se torna iminente.
•Validar o luto antecipatório é essencial para reduzir sofrimento e prevenir agravamentos emocionais.
•Não existe um “jeito certo” de viver o luto. Ele é único, mas não precisa ser solitário.
•A escuta qualificada, os rituais simbólicos e o suporte psicológico fazem diferença — tanto antes quanto depois da morte. Busque ajuda caso sinta necessidade. Agendar com uma psicóloga
Referências:
•Kübler-Ross, E. (1969). On Death and Dying. New York: Macmillan.
•Bonanno, G. A. (2009). The Other Side of Sadness: What the New Science of Bereavement Tells Us About Life After Loss. Basic Books.
•Rando, T. A. (1986). Loss and Anticipatory Grief. Lexington Books.
•Stroebe, M., & Schut, H. (1999). The dual process model of coping with bereavement: rationale and description. Death Studies, 23(3), 197-224.
•Nielsen, M. K. et al. (2011). Predictors of complicated grief and depression in bereaved caregivers. Journal of Palliative Medicine, 14(2), 132–137.
