“É Assim que Acaba”, de Colleen Hoover

“É Assim que Acaba”, de Colleen Hoover – uma análise do livro, do ponto de
vista Psicológico, no mês dos 18 anos da Lei Maria da Penha.

“Não existem pessoas ruins. Somos humanos e, às vezes,
fazemos coisas ruins” (Hoover, p. 366).

 

Colleen Hoover é uma autora de 24 livros, publicados em 10 anos, nos
EUA. Há bastante polêmica em torno dos seus lançamentos sobre temas
sensíveis como luto, relacionamento abusivo e traumas no início da vida adulta,
além de ter se tornado a fundadora de um novo gênero literário, o “new adult”
(leitores de 18 aos 30 anos), conquistando milhões de leitores pelo mundo.

“É assim que acaba” foi o livro que ganhou o prêmio Goodreads Choice
Awards de Melhor Romance em 2016. Antes de começarmos a nossa avaliação,
precisamos entrar um pouco na temática da violência doméstica e/ou familiar. A
Lei n. 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, cria mecanismos
para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. A
tipificação da violência e o ciclo de violência, a nível de informação:

A Lei Maria da Penha (2012) evidencia que a violência contra a mulher
pode se manifestar de diversas maneiras:

1) Violência Psicológica: humilhações, ridicularizações, ameaças, vigilância constante, perseguições, chantagens emocionais, controle
da vida social;
2) Violência Sexual: sexo forçado, sexo forçado com outras pessoas,
sexo em troca de dinheiro ou bens, obrigar a ver pornografia, impedir
o uso do método contraceptivo, forçar a gravidez, forçar um aborto;
3) Violência Moral: xingamentos, injúrias, calúnias, difamações (chamar
de mentirosa, louca, “vadia”, acusar de traição, etc.);

4) Violência Física: tapas, socos, chutes, apertar o pescoço, agressõescom armas e outros objetos, queimaduras, amarras, tortura,
feminicídio;

5) Violência Patrimonial: quebrar celulares e objetos pessoais, rasgar fotos, quebrar móveis, rasgar roupas, estragar objetos de trabalho,
esconder documentos;

6) E finalmente, recém incluída, a Violência Virtual: divulgar/compartilhar, fotos e vídeos íntimos pela internet e/ou redes
sociais, sem a autorização da mulher, com o propósito de humilhá-la
ou chantageá-la, utilizar as redes sociais e celulares para propagar
comentários depreciativos em relação à mulher.

O Ciclo da Violência:

1) Fase da Lua de Mel: juras de amor, promessas, calmaria;
2) Fase da Tensão: abuso emocional, agressão verbal, ameaças,
ciúmes, medo;
3) Fase da Explosão: agressões físicas, sexuais, destruição,
descontrole, descarte;
4) Fase da Reconciliação: arrependimento, pedidos de desculpas.

Vale ressaltar que quando se inicia, o ciclo tende a se repetir diversas
vezes, cada vez mais, agravantes de características a cada novo ciclo e,
também, com uma recorrência em um espaço de tempo cada vez menor.

No dia 07 de Agosto, a lei fez 18 anos e, coincidentemente, na
mesma semana, no dia 09 de Agosto de 2024 foi lançado no cinema o “É
assim que acaba”, um filme de Justin Baldoni, inspirado no livro, com
indicação para o público acima de 16 anos, que retrata a mesma temática.
Aqui, nos atemos a uma análise psicológica sobre o livro. É uma
história baseada no relacionamento de seus próprios pais, que retrata a
violência doméstica vivida por muitas mulheres que estão em um
relacionamento abusivo e demoram para se dar conta de que precisam
de ajuda. Se você ainda pretende ler/assistir, sugerimos que não continue
a leitura.

O público indicado:

Não recomendaria para o público menor de 18 anos, porque pode
abrir brecha para a romantização da violência, uma vez que o enredo faz
com que as pessoas se apaixonem pelo agressor. Não sabemos se os
adolescentes teriam essa capacidade de manejar tais temas e de saber
identificar os sinais de violência, antes de se envolverem com o
personagem. funcional. Fica aqui uma crítica.

Não saber controlar as emoções é justificativa para a
agressão?

NÃO, nada justifica e aqui vai um ponto para a Colleen que
manejou isso muito bem. Evidenciar o Ciclo da Violência: Vemos algumas
descrições precisas em torno do ciclo da violência. Vou me ater como
exemplo a situação da agressão física que Lily sofre com Riley, quando é
jogada pela escada:
Observamos a tensão (quando encontra o número do atlas), o
episódio da violência (episódio da escada), a tentativa da “lua de mel”
(Riley conta o trauma infância, manipulação, promessas, justificativas: seu
pai nunca doou para a caridade, eu sou melhor, eu sou legal, você é a
única coisa que eu tenho na minha vida), ela se convence de que ela precisa o ajudar a lidar com as emoções, porque ele é bom – Aqui é um
ponto alto que não torna a saída das mulheres algo simples: aqui elas se
sentem, frequentemente, culpadas, egoístas, responsáveis pelo adulto,
ou seja, manipuladas pelo algoz. Lily sente que é egoista se não ajudar o
marido, não está cumprindo os votos de casamento – e se questiona “é
preciso ficar a todo custo?” Este é o retrato do que nós temos na
sociedade, principalmente se colocarmos o viés religioso nas relações,
por exemplo. Quando é que se permite, na nossa sociedade, que uma
mulher saia de uma relação? Quando há a presença de algo grave, se
houver saída ou construção possível. E mesmo que saia: vamos ver na
prática?
A situação de Lily: marido rico, neurocirurgião, bem quisto na
sociedade… um filho à caminho… o medo de ser julgada… desafios da
sociedade… seja honesta, você sairia, facilmente, de uma relação assim?

O desfecho:

A forma que o livro acabou, que dá a impressão de que ela precisa
de uma relação para alcançar a felicidade, é problemático na medida em
que é uma realidade na nossa sociedade que mulheres achem que
precisam de outro homem para romper com os agressores, achando que
somente um outro homem a protegeria. O problema grave é que a mulher
geralmente não se encontra preparada para assumir uma nova relação
(pelo nível de fragilidade emocional em que se encontra e de
desorganização pessoal) e o que, em grande parte acontece é que se
repete o padrão de escolha para relacionamentos. Isso pode acontecer de forma inconsciente: vejamos bem, na infância uma pessoa vive com os pais em situação de um relacionamento abusivo, com todas as
características do ciclo abusivo, aprendendo assim que que este é o tipo
de amor correto, pronto, já se torna um padrão. O problema é que padrões
se repetem, até inconscientemente.
Sair do relacionamento por conta da filha: É humano quando a
autora deixa evidente que Lily saiu da relação pela identificação do lugar
de filha em uma relação, e não por ela mesma. E que bom saber que um
laço tão significativo foi capaz de salvá-la dos riscos de uma relação
abusiva.

Falta do padrão agressor “de pai para filho”:

Enquanto o pai do Riley era alcoólatra, nada organizado, ele, por
sua vez era bem sucedido, queria ser o melhor em sua carreira. Riley não
soube, a partir de um trauma infantil, lidar com as emoções, o que
evidencia que nem sempre o padrão se repete geneticamente/
comportamentalmente. Uma pulga atrás da orelha: É bastante positivo a autora evidenciar que o Riley faz terapia desde pequeno, mas a falta de controle de suas emoções a esta altura do campeonato não seria
problemático? Há um diagnóstico psicológico? Faz uso de
medicamentos? Procurou outros profissionais? Sabemos que até para os
mais graves dos diagnósticos, quando o sujeito encontra o tratamento
correto, pode construir uma realidade de vida mais funcional.

A falta de orientação para a busca de apoio psicológico/ fazer
denúncia caso vivencie a situação de violência:

Sairmos de um livro com cenas fortes de violência doméstica e/ou
familiar, que pode ser facilmente, um gatilho para alguns leitores, se torna
problemático. Além de abrir grandes temas, a autora peca em não dar
instruções (mesmo que mínimas) para orientar o leitor para a busca de
ajuda casos de violência.
A importância da personagem Lily Bloom – uma história sobre
parentalidade:
A salvadora – ela salva o atlas (namorado da infância) na
adolescência, tenta a vida toda salvar a mãe com sua presença (uma vez
que o pai pára a agressão quando ela está perto), agora transfere essa
característica para salvar o Ryle a todo custo – mesmo que isso custe a
própria vida ou saúde mental. Na nossa sociedade patriarcal, machista,
frequentemente nos é ensinado que os homens têm um jeito inato,
selvagem e as mulheres é que nascem para transformá-los. Ela repete o
padrão na busca por dar aos outros a segurança e proteção que nunca teve, que sempre precisou.
O perigo de ter tido na infância a privação emocional pelo ambiente
abusivo com os pais é crescer repetindo os padrões disfuncionais. É uma
personagem interessante para quebrar os estigmas da sociedade sobre o
que passa na cabeça de uma mulher que vive a situação de violência, ela
é julgada e incompreendida.
Lily, por sua vez, é uma mulher forte, empoderada, conquista sua
segurança financeira com o próprio negócio, mas a história aqui é sobre
como ela quebra o ciclo da violência que a envolve física e
emocionalmente. E ela quebra: “é assim que acaba”.

Se você está precisando de ajuda quanto à temática da Violência,
no Brasil, podemos contar com a rede de Proteção da Mulher em todo o
território Nacional.

 

  • Disque 180 para denúncias e outras orientações sobre a temática da
    Mulher;
  • Delegacias da Mulher, bem como o telefone da Polícia Militar, Disque
    190;
  • Casas Abrigo: oferecem local protegido e atendimento integral
    (psicossocial e jurídico) à vítima;
  • Coordenadorias de Violência contra a Mulher: elaborar sugestões para
    o aprimoramento da estrutura do Judiciário na área do combate à
    prevenção da violência contra as mulheres;
  • Centros de Referência no Atendimento à Mulher: acolhimento,
    acompanhamento psicológico e social, orientação jurídica à mulheres
    em situação de violência;
  • Casas da Mulher Brasileira: integra no mesmo espaço, serviços
    especializados para os mais diversos tipos de violência contra a
    mulher;
  • Juizados/Varas especializadas: órgãos de Justiça, cível e criminal,
    responsáveis por processar, julgar, e executar as causas decorrentes
    da prática de violência doméstica.

Você pode procurar pelos setores em sua cidade/município.
Se você precisar de auxílio psicológico, além de poder contar
conosco da Rede Psicoterapia com a Psicóloga Lara Medeiros  especialista no tema, pode entrar em contato no Centro de
Valorização à Vida pelo 188 no telefone, um setor disponível 24 horas para
realizar uma escuta psicológica gratuita.

“É assim que acaba” encontra-se em cartaz nos cinemas
brasileiros, fica a nossa dica para quem quiser conhecer mais do universo
de Colleen Hoover.

 

 

 

Referências:
BRASIL. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-
2006/2006/Lei/L11340.htm. Acesso em: 27 jul. 2018. HOOVER, Colleen.
É assim que acaba; tradução Priscila Catão. Rio de Janeiro: Galera
Record, 47ª ed, 1979.
PENHA, Maria da. Sobrevivi… posso contar. 2. ed. Fortaleza: Armazém
da Cultura, 2012. WALKER, Lenore. The battered woman. New York:
Harper and How, 1979.

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