Não importa a sua idade — é bem provável que você já tenha passado por um ou mais momentos de “crise existencial” e ouvido alguém dizer: “Ah, é a crise dos [X anos]”, referindo-se à sua fase da vida. E, se você já leu textos sobre isso ou refletiu mais de uma vez, provavelmente também percebeu que, no fundo, a crise é sempre a mesma: “Onde estou? Para onde estou indo?”
“Há uma história que lhe é entregue, em algum lugar entre a adolescência e a idade adulta —de liberdade, espontaneidade, caos romântico, descobertas criativas, altos e baixos na carreira e clareza emocional que chega bem a tempo para seu apartamento bem iluminado e seu ritual de leite de aveia e matcha. Nem sempre é dita em voz alta, mas está em todo lugar — incorporada em legendas do Instagram, montagens de filmes, discursos de formatura e na linguagem lenta e cuidadosa do marketing: “esta é a sua hora”. “Estes são seus anos dourados”. “Você vai se encontrar”. Mas a maioria de nós não se encontra – não exatamente. o que encontramos é um limbo estranho, muitas vezes doloroso, entre quem pensávamos que seríamos e quem realmente somos. encontramos um esgotamento que chega mais rápido do que o sucesso. encontramos términos que parecem menos drama e mais trabalho emocional não remunerado. nos encontramos lamentando silenciosamente versões do futuro que presumimos que já estaria aqui — um senso de propósito mais claro, uma renda estável, um grupo de amigos que parece um lar, um corpo que parece nosso. em vez disso, temos papelada, confusão de identidade, ansiedade de aluguel, chicotadas hormonais, pavor existencial e uma dor profunda e privada que temos vergonha de dizer em voz alta: isso é realmente tudo o que existe? Parte da decepção dos seus vinte anos vem do esforço que você faz para se manter à tona. Não é só emocional — é logístico. Até mesmo sua própria cura se torna um trabalho de tempo integral. Tudo o que deveria ser fácil — seu corpo, sua beleza, sua personalidade, seus planos — começa a mudar sob a pressão da vida real. E enquanto você faz todo esse trabalho invisível, você está cercado por histórias de sucesso selecionadas. Você sabe que elas são filtradas, mas ainda assim — é difícil não se perguntar por que a sua parece mais difícil, mais solitária ou mais atrasada” (THAKKAR, 2025).
Mas a tristeza mais profunda não é só que as coisas são difíceis. é que elas são difíceis sem um nome. não é uma decepção dramática ou uma reviravolta na história pela qual você pode chorar. é a lenta percepção de que crescer não é a mesma coisa que chegar. que não há um momento exato em que tudo faça sentido. que você ainda pode estar em processo — não porque esteja atrasado, mas porque é isso que significa estar na casa dos vinte. o “tornar-se” não acontece na hora certa. e a maioria de nós passa anos tentando apressar nossa própria fragilidade apenas para nos sentirmos mais seguros.”
É comum viver crises existenciais marcadas por dúvidas sobre relacionamentos, carreira, casa própria, filhos e estabilidade financeira. Essas crises, embora pareçam individuais, são atravessadas por um sistema que valoriza mais o ter do que o ser. Muitas das angústias que sentimos — a sensação de estar atrasado, de não ser suficiente, de não viver o que “deveria” — não nascem apenas de conflitos internos, mas de um sistema que nos ensina desde cedo o que é sucesso, beleza e amor. O capitalismo criou um roteiro silencioso, mas amplamente seguido: ter um corpo “ideal”, encontrar o par perfeito, conquistar uma carreira estável, comprar uma casa e, nesta nova era, mostrar tudo isso com um sorriso nas redes sociais. Quando algo foge desse script, nos sentimos perdidos.
A lógica do amor romântico nos vende a ideia de que só seremos completos quando encontrarmos “a pessoa certa”. A pressão estética nos diz que só seremos amados se formos desejáveis. E o modelo capitalista transforma tudo isso em produto, como se a felicidade fosse uma linha de chegada a ser comprada, performada e validada. O resultado? Vidas consumidas por ansiedade, baixa autoestima e comparação constante.
Essa lógica de vida roteirizada se infiltra até mesmo nos nossos silêncios. Nos faz achar que não estamos “produzindo” o suficiente quando apenas estamos vivendo. Nos convence de que o tempo só tem valor quando rende algo: dinheiro, status, beleza, validação. Amar por amar, descansar por prazer, envelhecer com dignidade — tudo isso é desacelerar diante de um sistema que nos quer exaustos e sempre em dívida. O capitalismo não quer que a gente se encontre, quer que a gente consuma tentando se preencher.
E quando não seguimos esse roteiro — seja porque não conseguimos, não queremos ou simplesmente estamos em outro ritmo — a culpa vem. E vem com força. Nos perguntamos se somos incapazes, se estamos falhando, se a vida está passando “errado”. Mas o que está errado, na verdade, é o modelo que nos mede por métricas que não consideram a nossa história, o nosso corpo, nossos afetos e desejos reais. Reconhecer isso é um passo importante para entender que muitas das nossas chamadas “crises existenciais” são, na verdade, gritos por uma vida mais autêntica, menos performática e mais possível.
E, para quem vive à margem desse roteiro — quem não tem acesso à saúde de qualidade, à educação básica, ao ensino superior, à moradia digna — a crise existencial assume outra forma: não é sobre não alcançar o “sucesso”, mas sobre sobreviver num sistema que nunca considerou essas vidas como parte da promessa. Para essas pessoas, o vazio não é preenchido com compras ou com viagens planejadas no fim de semana, porque o básico ainda é um luxo. A lógica do consumo como alívio não serve, e o que sobra é a sensação de estar constantemente fora de lugar, como se o problema estivesse nelas — quando, na verdade, está em um sistema que exclui e culpa quem não consegue acompanhar um ritmo desumano de produtividade e conquista.
A angústia que sentimos, essa crise existencial — muitas vezes sem nome, mas que pesa no peito e tira o sentido das coisas — é, na verdade, sintoma de um sistema que nos desconecta de nós mesmos para nos manter funcionando, consumindo e acreditando que o problema está em nós. Mas talvez o verdadeiro erro esteja em um modelo que lucra com o nosso cansaço, transforma nossas inseguranças em mercado, nossa dor em oportunidade de venda e nos faz medir valor por produtividade, silenciando dores para manter a performance. É o capitalismo que adoece — e ainda nos convence de que a culpa é nossa. O sofrimento psíquico que emerge disso não é fraqueza: é um sinal de que algo em nós resiste — mesmo sem saber como.
A angústia que sentimos, essa crise existencial — que muitas vezes parece sem nome, mas que pesa no peito e tira o sentido das coisas — é, na verdade, sintoma de um sistema que nos desconecta de nós mesmos para nos manter funcionando, consumindo e acreditando que o problema está em nós. É o capitalismo que adoece — e ainda nos convence de que a culpa é individual. Essa angústia da crise existencial pode ser amenizada através do processo de psicoterapia, pois dar nomes e saber de onde vem tais dores, coloca o sujeito frente a novos repertórios emocionais importantes para manter a saúde mental preservada. AGENDAR TERAPIA
Referência:
THAKKAR, Ayushi. The Myth of the Magical Twenties. Substack, 19 jun. 2024. Disponível em: https://ayushithakkar.substack.com/p/the-myth-of-the-magical-twenties. Acesso em: 23 jun. 2025.