O filme “Exterritorial” apresenta um enredo denso e impactante, centrado em uma mãe que enfrenta o desaparecimento repentino de seu filho e o descrédito das autoridades e pessoas ao seu redor. Sob a ótica da psicologia, especialmente da psicologia clínica e do trauma, a narrativa permite uma análise profunda sobre os efeitos do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e os mecanismos de manipulação emocional (gaslighting) comumente utilizados contra vítimas vulneráveis.
Trauma e o TEPT
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático é uma condição psicológica desencadeada por eventos extremamente estressantes ou aterrorizantes. Segundo o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), os principais sintomas do TEPT incluem:
- Revivescência: reexperiência do trauma em forma de flashbacks, pesadelos ou memórias intrusivas;
- Evitação: esquiva de situações, locais ou pessoas que lembrem o evento traumático;
- Alteracões cognitivas e de humor: sentimentos persistentes de culpa, medo, raiva ou vergonha;
- Hiperatividadade fisiológica: dificuldade para dormir, irritabilidade, hipervigilância e resposta de susto exacerbada.
A personagem principal de “Exterritorial” demonstra de forma clara vários desses sintomas após o desaparecimento do filho. O impacto do trauma é exacerbado pela ausência de suporte institucional e familiar, potencializando seu sofrimento e comprometendo sua capacidade de lidar com a situação.
O uso do transtorno contra a vítima: gaslighting e manipulação institucional
Um dos pontos mais inquietantes do filme é a forma como o sofrimento psicológico da protagonista é usado contra ela. É neste ponto que entra o conceito de gaslighting, um tipo de abuso psicológico onde informações são manipuladas para que a vítima duvide da própria memória, percepção ou sanidade.
No caso do filme, as autoridades desconsideram suas denúncias e levantam hipóteses de que ela estaria em surto psicótico ou em colapso emocional, negando o fato do sequestro. O descrédito social e institucional é um agravante comum na experiência de vítimas de violência ou traumas, como destaca Judith Herman em sua obra Trauma e Recuperação.
Essa estratégia de invalidar a dor da vítima através do uso de seu quadro de sofrimento psíquico é uma forma cruel de silenciamento e re-vitimizacão. A protagonista não apenas lida com a perda, mas também com a impossibilidade de ser levada a sério.
Reflexões e Contribuições da Psicologia
“Exterritorial” expõe questões fundamentais para os profissionais de psicologia, especialmente na escuta clínica de vítimas de traumas graves. O filme mostra:
- A necessidade de acolhimento e validação do sofrimento alheio;
- O impacto da negligência institucional na cronificação dos quadros traumáticos;
- A importância de diferenciar sintomas de adoecimento mental de uma “invalidação diagnóstica” injusta e estigmatizante.
O trabalho clínico e político da psicologia precisa considerar o contexto social e relacional em que os traumas acontecem, e o filme é um potente convite à reflexão sobre isso.
Considerações finais
Mais do que um thriller psicológico, “Exterritorial” é um espelho das formas como a dor feminina é frequentemente descartada ou patologizada. A personagem representa tantas mães, mulheres e vítimas que não têm sua dor legitimada.
A psicologia tem o papel essencial de escutar, acolher e restaurar a agência dessas vozes. E o cinema, mais uma vez, se mostra como uma ferramenta potente de provocação e consciência social.