Adoecer para caber: os impactos psicológicos da cultura do corpo ideal

A recente morte da influenciadora Natália Cavanellas, de 27 anos, após complicações decorrentes de uma lipoaspiração, chocou o país e trouxe à tona um debate que precisa ser encarado com seriedade: a busca incessante por um corpo ideal pode estar custando vidas. Natália era jovem, bonita, bem-sucedida nas redes sociais — e, ainda assim, sentia que precisava mudar ou “melhorar” algo em sua aparência física. Seu falecimento não é apenas uma tragédia individual, mas o reflexo de um sistema que impõe às mulheres um padrão estético rígido, inatingível e profundamente excludente.

Vivemos em uma sociedade onde a aparência feminina foi transformada em um valor central da identidade. Nas redes sociais, imagens filtradas, corpos padronizados e vidas “perfeitas” são vendidas como metas a serem alcançadas. Esse processo intensifica o sentimento de inadequação e alimenta a ideia de que sempre há algo a corrigir, eliminar ou aperfeiçoar no próprio corpo. É nesse contexto que procedimentos estéticos, muitas vezes invasivos, se tornam não apenas desejáveis, mas socialmente exigidos.

A crítica feminista Naomi Wolf, em seu clássico O Mito da Beleza (1991), já alertava:
“A obsessão com a beleza física é a última e mais perigosa forma de controle social imposta às mulheres.”
Segundo Wolf, à medida que as mulheres conquistam espaços políticos e profissionais, novas formas de opressão surgem para manter o controle sobre seus corpos — e a indústria da beleza, aliada aos meios de comunicação, exerce um papel central nesse processo.

No Brasil, esse cenário é ainda mais complexo. Somos um dos países que mais realiza cirurgias plásticas no mundo. Ao mesmo tempo, enfrentamos uma desigualdade estrutural que faz com que muitas mulheres vejam nas redes sociais a principal — ou única — fonte de reconhecimento e pertencimento. Como aponta a pesquisadora Valeska Zanello, no livro A Prateleira do Amor (2023):
“A autoestima feminina foi sequestrada e colocada na prateleira da aparência. Amar a si mesma, hoje, passa necessariamente por atender às exigências visuais do mercado.”

Essa realidade gera um impacto direto na saúde mental. A insatisfação crônica com o próprio corpo está relacionada ao aumento de casos de depressão, ansiedade, transtornos alimentares e baixa autoestima, especialmente entre adolescentes e mulheres jovens. A exposição constante a padrões inalcançáveis — reforçados por algoritmos e influenciadores — dificulta o desenvolvimento de uma relação saudável com a própria imagem.

Não se trata de condenar procedimentos estéticos ou quem os realiza (elas são vítimas dessa construção social), mas de refletir sobre por que tantas mulheres se sentem obrigadas a recorrer a eles para se sentirem suficientes. Quando o corpo se transforma em um projeto interminável de modificação, é preciso parar e perguntar: de quem é esse desejo? E a que (ou a quem) ele está servindo?

A psicoterapia, nesse cenário, torna-se uma ferramenta de libertação. É no espaço terapêutico que muitas mulheres conseguem, pela primeira vez, questionar os padrões impostos, elaborar suas dores e reconstruir sua autoestima a partir de valores mais profundos do que a imagem refletida no espelho. Cuidar da saúde mental não é apenas importante — é um ato de resistência e amor próprio frente a uma cultura que insiste em reduzir o valor da mulher à sua aparência.

A morte de Natália não pode ser normalizada. Ela precisa ser um ponto de inflexão: não para alimentar o medo, mas para estimular a reflexão coletiva sobre como estamos tratando os corpos femininos, e sobre como podemos construir uma cultura mais gentil, inclusiva e humana. Que possamos, como sociedade, abrir espaço para o autocuidado que acolhe — e não aquele que adoece.

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