Análise Psicológica de “As Horas”

Reprodução de internet

 

1. Três Mulheres e a Depressão: Contextos e Expressões

Cada uma das protagonistas representa uma forma única de enfrentamento e experiência da depressão:

Virginia Woolf (Nicole Kidman) lida com a depressão severa e a esquizofrenia. Como escritora e pensadora, ela luta contra o estigma da sua condição mental, em uma época (anos 1920) que via a doença mental de forma muito rígida e limitante. A pressão de corresponder às expectativas e a solidão que sente em sua própria mente são retratadas de maneira muito real, exemplificando como a criatividade e a angústia mental podem coexistir.

Laura Brown (Julianne Moore) vive nos anos 1950 e representa o dilema da “esposa e mãe ideal”. Apesar de seu contexto social e familiar parecer adequado, ela experimenta um profundo vazio e depressão. Laura se vê presa em um papel tradicional que sufoca sua individualidade, o que reflete a ideia de que o ambiente familiar e as normas sociais podem levar a sentimentos de opressão e desesperança.

 

Clarissa Vaughan (Meryl Streep), vivendo nos anos 2000, mostra como a busca pelo controle e a perfeição na vida moderna podem ser fonte de estresse e ansiedade. Ela cuida do amigo Richard, que sofre com as consequências do HIV, e vê nisso uma tentativa de manter a aparência de estabilidade e altruísmo. Sua constante preocupação com os outros e o controle sobre tudo à sua volta a deixam exausta, revelando a complexidade da depressão “funcional” em tempos contemporâneos.

Essas três narrativas nos permitem observar que, mesmo em tempos e contextos diferentes, a depressão é uma condição universal que se manifesta de maneiras distintas, mas profundamente impactantes na vida de quem a enfrenta.

2. Identidade e o Sentimento de Deslocamento

Em todas as protagonistas, há um sentimento comum de deslocamento, como se suas vidas fossem incompletas ou desconectadas de quem elas realmente são. Este tema é central em “As Horas” e ilustra como o autoconhecimento e a autoaceitação são essenciais para o bem-estar emocional.

Virginia, que tenta resistir às pressões para viver uma vida “normal”, nos mostra o quanto a luta interna pela própria identidade pode ser devastadora sem apoio e compreensão. Laura, por outro lado, é uma mulher que parece ter tudo, mas cujo vazio interior a leva a questionar seu papel na família. Clarissa, embora muito consciente de quem é, experimenta uma crise de identidade ao ver seu amigo doente e lembrar de si mesma em um tempo diferente.

Essas crises refletem como a falta de conexão com a própria identidade pode desencadear conflitos internos, especialmente quando as expectativas sociais estão em desacordo com os desejos individuais.

3. O Papel da Literatura e da Arte como Escapatória e Terapia

A literatura, representada pela obra de Virginia Woolf, é um elo que conecta as três histórias. Woolf escreveu “Mrs. Dalloway” como uma expressão de suas lutas internas, e esse livro serve como um ponto de reflexão e inspiração para Laura e Clarissa.

Para Laura, o livro oferece um vislumbre de uma vida fora dos papéis tradicionais de esposa e mãe. Em vez de simplesmente absorver a história, ela internaliza os sentimentos da protagonista, Clarissa Dalloway, como se fossem seus próprios. Este processo de identificação revela o poder terapêutico da literatura: ao reconhecer sua própria dor e complexidade emocional na narrativa, Laura começa a questionar sua vida e seu lugar nela.

Para Clarissa, a obra representa a luta de Virginia com o conceito de “a vida comum”, algo que Clarissa valoriza, mas que sente que lhe escapa. A literatura permite que as personagens vejam além da superfície, refletindo sobre si mesmas e talvez ganhando coragem para enfrentar as verdades que não podem mais ignorar.

4. As Relações Afetivas e a Busca por Conexão

Em “As Horas”, as relações afetivas desempenham um papel muito importante, não apenas como apoio, mas também como fonte de angústia. As personagens buscam se conectar com os outros, mas em muitos casos, esses vínculos são frágeis ou insuficientes para preencher suas necessidades emocionais.

Virginia possui uma relação intensa e, ao mesmo tempo, distante com o marido, Leonard, que tenta cuidar dela, mas não consegue alcançar sua mente inquieta. Laura vive uma relação aparentemente sólida com o marido, mas sente um vazio interno que não consegue preencher dentro do casamento. Clarissa, que cuida incansavelmente do amigo Richard, revela o quanto a dedicação ao outro pode ser uma fuga de si mesma.

Essas relações mostram como o afeto pode tanto nutrir quanto oprimir, dependendo do contexto e da condição emocional de cada indivíduo. O filme ilustra que, embora o amor e o apoio sejam fundamentais, a verdadeira cura e aceitação devem vir de dentro.

5. Suicídio como Escape e Símbolo de Autonomia

O filme aborda o suicídio de uma forma única, especialmente na história de Virginia Woolf. Seu suicídio é mostrado como um ato que, para ela, simboliza uma busca por liberdade, um ponto de controle sobre sua vida e sua mente. O suicídio, para Virginia, é uma resposta às limitações de sua época e de sua própria mente, mas também uma forma de retomar o controle em uma situação em que sente ter perdido toda a autonomia.

Este ponto levanta uma reflexão importante sobre a saúde mental e o papel da sociedade na aceitação das condições psicológicas. Ao invés de interpretar o suicídio como um fracasso ou uma fraqueza, “As Horas” explora as complexas camadas que envolvem essa escolha para alguém que vive com um sofrimento psicológico profundo.

 O Legado de “As Horas” para a Psicologia e a Saúde Mental

“As Horas” é um filme que nos convida a olhar para as questões da saúde mental de maneira empática e complexa. As experiências das protagonistas com a depressão, identidade e busca por conexão oferecem insights poderosos sobre a profundidade da experiência humana e como os desafios emocionais são uma realidade universal, independente da época.

Este filme reforça a importância da compaixão, da compreensão e da aceitação dos diferentes modos como cada pessoa vive sua luta interna. “As Horas” é, portanto, uma obra essencial para quem deseja entender melhor a natureza da saúde mental e como ela se entrelaça com nossos relacionamentos, nossas escolhas e nosso senso de identidade.

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